quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Isenção de Carência

Carência é o número mínimo de contribuições necessárias para se pleitear um benefício. O evento que dispara a contagem é diferente caso o trabalhador seja facultativo (autônomo), doméstico ou empregado.
Para os 2 primeiros a carência passa a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição válida (que é a feita em dia). Para o empregado, o primeiro dia de trabalho dispara a contagem da carência, ainda que o empregador sonegue o recolhimento no mês seguinte.

Para que carência? Para evitar fraudes. Evitar que pessoas sabidamente doentes contribuam e venham a requerer auxílio-doença, evitar que grávidas iniciem contribuição para obter Salário Maternidade etc. Está correto, pois em seguridade a palavra de ordem é prevenção. Não seria lícito se segurar contra algo que já aconteceu ou que sabida e seguramente vai acontecer. Seria contra os fundamentos previdenciários.

Algumas situações eximem o segurado de cumprir a carência de 12 meses do Auxílio-doença, mas o evento precisa, SEMPRE, ter acontecido após a filiação e antes dos 12 meses de carência. Se o evento for anterior, jamais poderá isentar o cumprimento da carência legal. O tema é tratado no capítulo II da Lei 8.213/91.

Quais seriam essas doenças? Por lógica, deveriam ser aquelas em que ficasse claro e inquestionável não ter havido previsibilidade, não ser anterior ao ingresso, estar acima de qualquer suspeita de má-fé. Um exemplo seria a apendicite aguda. Ninguém é capaz de programar ou prever uma apendicite! Entretanto a legislação atual não contempla apendicite ou doenças similares!!!

O critério usado é de gravidade e de estigmatização, o que não faz nenhum sentido. Por que espondilite anquilosante está lá e artrite reumatóide (doença similar e que pode ser muito mais grave) não? Aliás, o diagnóstico de espondilite anquilosante, em geral, demora mais de 12 meses, fazendo com que isenção de carência para alguém que, depois de empregado, começou a apresentar manifestações clínicas, acabe letra morta. Assim acontece com quase todas as doenças da lista!

Outra confusão histórica é a questão do agravamento. A lei previdenciária, no capítulo V, ao tratar de auxílio-doença, assevera que doenças anteriores ao ingresso, mas que permitiam o exercício do labor, ao se tornarem incapacitantes por agravamento, merecem o amparo do benefício. Onde está dito que isentará carência nessa circunstância? 

TODA doença manifesta ANTES do ingresso só será amparada após o cumprimento do período de carência, o que será uma demonstração de boa fé de quem contratou efetivamente crendo na capacidade laboral ou de quem contribui como trabalhador autônomo, assim afirmando ter capacidade laboral. Se, após cumprida a carência, houver agravamento e incapacidade o segurado terá todo direito ao Auxílio-doença, mesmo se tratando de doença anterior.

Será muito bem vinda uma modificação radical nas situações isentáveis de carência.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Revista Bioética

O último número da revista Bioética (18-2) editada pelo CFM, traz um artigo de minha autoria sobre dignidade e autonomia do paciente psiquiático. Quem se interessar pode ler no link: aqui.

sábado, 13 de novembro de 2010

Trabalho Penoso II

A duração da jornada de trabalho é matéria em permanente evolução, pois as verdades científicas são efêmeras e a relação capital trabalho gangorra em favorecimento ora de um ora de outro. O tema interessa muito aos ergonomistas e há estudos sobre isso.

A maioria das jornadas são definidas pela experiência, tentativa e erro mesmo. No mundo esportivo pode-se buscar paralelos. Você já se perguntou por que uma partida de futebol tem 2 tempos de 45 minutos com um intervalo de 15? E uma luta de boxe, 3 minutos de trabalho para 1 de descanso? A lógica é a da performance e resistência humana, sem desconsiderar o interesse econômico. Imagine um assalto de boxe de 45 minutos!

O exemplar deste mês do jornal da Associação médica de MG traz entrevista com o prof João Gabriel que cita trabalho em que a capacidade de raciocinar de um médico após 24 hs de plantão se mostrou semelhante a de alguém alcoolizado. Estranhamente esse "dado concreto" (diria Lula) não é levado em conta para nada. Jornadas de trabalho precisam ser desiguais, nada de uma lei única para todos os trabalhos, seria a recomendação de qualquer especialista em ergonomia que, para quem desconhece, é a ciência da adaptação do trabalho às características dos trabalhadores. Tornearia e medicina têm exigências distintas.

A primeira convenção da OIT, adotada no ano de sua fundação, logo após a primeira guerra, trata exatamente da duração da jornada de trabalho.
Após a segunda guerra, com era de valorização dos direitos humanos, a dignidade do trabalho entrou em evidência. A Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU em 1948 prevê no Art.XXIV: "Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas".
Mais recentemente, em 1966 a ONU aprovou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ratificado oficialmente pelo Brasil. o Art.7o dever destacado aqui: "o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis que asseguram especialmente (...) a limitação razoável das horas de trabalho (...)".

Discutir jornada de trabalho para que os peritos, eles próprios, definam a carga suportável que assegure condições salubres e produtividade é uma necessidade que não pode mais ser negligenciada. É bom que se registre que a meta não é trabalhar menos por vagabundagem, como insinuaria ou afirmaria algum desavisado. Médicos, todos sabem, são talvez os profissionais que mais trabalham, não conheço um único que trabalhe menos de 12 hs por dia e o CFM tem estatísticas sobre isso. A preocupação seria preservar tanto os servidores públicos quanto a qualidade e precisão de seus trabalhos.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Trabalho Penoso

Perícia Médica é atividade penosa. Quem faz perícia sofre, e não me refiro aos periciados, que, evidentemente, não se sentem bem sendo interpelados e examinados para que suas alegações sejam apuradas. Ninguém gosta. Neste artigo me refiro especificamente aos peritos, que são médicos por formação, e habituados a agir sempre no melhor interesse do paciente. 

Ocorre que perícia médica não é orientada pelo interesse do paciente, mas pela avaliação e julgamento justo dos fatos. O interesse é a justiça social aplicada a cada indivíduo atendido no INSS. O papel de perito é difícil por sua complexidade e penoso por sua natureza, uma vez que exige do médico outras habilidades que se somam às de sua formação (longa, árdua, cara).

Indeferir algo que se sabe ser de extrema importância até mesmo para a saúde do periciado é uma decisão difícil e sofrida que o perito tem o dever (de agente público) de fazer quando os requisitos legais o obrigam. 

A escala hierárquica de necessidades de Maslow ensina que, insatisfeitas as necessidades vitais, cidadãos de qualquer formação podem se tornar violentos. O benefício previdenciário, muitas vezes, é requerido (ou mantido) em tais situações, o que expõe o perito a rompantes de violência verbal e física.

Se perícia médica não for atividade penosa, nem uma outra o será, do ponto de vista psíquico. Que o demonstrem os afastamentos para tratamento dos peritos do INSS, que chegam a 50% em algumas gerências, mas cujos dados precisos carecem ser levantados.

Desde a LOPS, Lei Orgânica da Previdência Social, de 1960, já se fala em trabalho penoso e adicional de penosidade. Em 1989 a Lei 7.850 (já revogada) caracterizou a atividade de telefonista como penosa.
A Lei geral do funcionalismo prevê adicional de penosidade para os que trabalhem em fronteira ou condições de vida que o justifiquem (Art. 71, Lei n.8.212/01).
Assim, o adicional de penosidade previsto no Art. 7o da Constituição e nunca regulamentado tem sua existência no mundo jurídico e real inquestionável.

O que interessa aqui discutir é o conceito de penosidade e sua aplicabilidade ao trabalho de peritos médicos do INSS. Como escreveu o jurista, “Os trabalhadores expostos a agentes insalubres, perigosos ou penosos sofrem desgastes acentuados na luta contra fatores nocivos à saúde. Para compensar tais agressões, a tendência moderna aponta no sentido de se reduzir a jornada de trabalho, concedendo-se maior período de descanso e recuperação. Com isso, conjugam-se dois efeitos benéficos: menor tempo de exposição e maior tempo de recuperação” (Oliveira, SG, Proteção jurídica à saúde do trabalhador, 3ed, São Paulo: LTR editora ltda, 2001). 

Na nossa legislação, professores se aposentam com 25 anos de trabalho, policiais aos 30, diplomatas têm lá suas benesses. Não é isso que propomos para nós nem para a sociedade. Somos contrários ao pagamento de adicionais que premiem o adoecimento com dinheiro ou aposentadoria especial. Defendemos que as jornadas de trabalho sejam adequadas ao grau de exigência das atividades. Não se pode exercer perícias médicas 8 horas por dia, é desumano!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Questões de Princípios

A autonomia médica é inegociável, mas para que dizer isso? Se algo não pode ser objeto de barganhas deveria ficar fora das dicussões, não é mesmo? Lendo Ronald Dworkin, Uma questão de princípio, Martins Fontes, São Paulo 2001, em que o filósofo do direito aborda  a inter-relação entre dois níveis de nossa consciência política: os problemas práticos e a teoria filosófica, questões de urgência e questões de princípio, vejo o quão equivocada foi a última batalha empreendida pelo filisteu* em nome de uma categoria profissional.
Autonomia médica é um princípio e foi evocado em tentativa de aglutinar apoios, já que nenhum médico seria contra um dos axiomas mais fundamentais da profissão. Para ser "original" trocou a palavra "autonomia" pela palavra "excelência", mero jeu de mots. Não se põe um princípio em barganhas!
Ao mesmo tempo em que é um princípio axiomático compreendido e defendido pela população, quando se serve dos médicos e da medicina, é uma ameaça quando se deixa o terreno da medicina assistencial e se adentra o terreno médico-pericial. Reafirmar autonomia neste contexto foi imprudente, para não dizer coisa pior.
Afirmar o caráter pericial já fez com que o governo trocasse a denominação "perito médico" para "médico perito". O filisteu não soube ficar calado! Por um golpe de sorte o termo original , de fundamental importância simbólica, voltou, uma vez que o veto era impossível (estava no caput; não em parágrafos de um artigo importante). Afirmar a autonomia dando-lhe conotação de uma cruzada medieval trouxe a terceirização de volta e a perícia multi-profissional como cenário no horizonte. Êta bocão! Não é assim que se lida com governos, está claro.
O que se precisava reafirmar não foi feito: o caráter judicante da carreira, a necessidade de isenção e insuspeita defesa dos interesses dos cidadãos perante o estado. O perito do lado do povo e não com autonomia para julgar seus direitos, pondo-se acima deles, se não contra eles. São diferenças sutis que escapam ao filisteu, apenas arguto para se defender no poder. A remuneração por subsídios significaria a maior conquista do reconhecimento da perícia médica previdenciária como carreira de estado. Não foi sequer tentada. A autonomia, ou a excelência, estaria lá, como princípio intocado e sequer mencionado, não precisaria.
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*Filisteu está bem explicado em Arthur Schopenhauer, A sabedoria da vida, Golden Books, SP, 2007 pg 59-61.