quarta-feira, 13 de abril de 2011

Não fui eu que incapacitei; foi o perito que me incapacitou

Esta frase foi dita por uma estelionatária diante da autoridade policial. Já ouvi outras semelhantes de advogados, também. Ao fraudador o direito de exercer seu "ofício"e ao perito a obrigação de identificá-lo, essa parece ser a expectativa de parte da sociedade que legitima o "direito"de tentar fraudar! Gostaria que sociólogos estudassem o fenômeno, teríamos muito a aprender com eles.

A frase título deste comunicado foi dita ontem por Dra Vânia Borba durante excelente palestra sobre simulação, e ficou ecoando na minha cabeça desde então. Na palestra foi lembrada a história do herói grego Ulisses, o simulador mais antigo da história. 

A história mitológica é interessante e vou resumí-la aqui.

Tragédias humanas envolvem dinheiro e mulher e essa começa com uma belíssima mulher de nome Helena. Era a mais bonita de sua época e todos queriam desposá-la. Além de bonita era rica e morava em Esparta, cidade-estado governada por seu pai e onde os pretendentes se engalfinhavam para disputar a mão da moça. Seu pai estava preocupadíssimo com o risco de uma tragédia grega acontecer. Foi aí que aparece Ulisses, um jovem não muito bonito e não muito rico, era príncipe de uma ilhota pedregosa no mar Egeu. Seu caráter era meio discutível, mas era muito esperto a ponto de, mesmo cobiçando Helena, ver em sua prima, Penélope, um ótima futura esposa, embora não tão bela. Ulisses sugeriu ao rei, pai de Helena que deixasse a moça escolher o noivo (coisa não imaginável na época) entre todos os candidatos que deveriam prometer, antes da escolha, é claro, acatar e defender aquele matrimônio. Se a ideia funcionasse, o rei lhe daria a mão da Penélope.

Com os candidatos postados, inclusive o Ulisses, Helena anunciou que escolheria Meneláu. Alguns anos depois, Meneláu viajava quando um tal de Páris apareceu diante de Helena e a paixão mútua foi arrasadora. Resultado, fugiram juntos para Tróia. A essa altura, Ulisses morava com Penélope e o filho pequeno Telêmaco na sua ilhota. Tudo que Ulisses queria era a vidinha caseira, mas o Rei mandou um emissário recrutá-lo para o resgate de Helena em Tróia, já que fizera o maldito juramento. 

Esse emissário era o Palamedes, um cara inteligente que teria até sido o inventor dos dados e do jogo de xadrez. Palamedes sabia das espertezas de Ulisses e, ao chegar à ilha, o viu arando a praia e semeando sal, atitude bizarra e incompreensível. Era Ulisses simulando loucura para não ter que ir a Tróia guerrear. Palamedes, como um bom perito, suspeitou e, para certificar-se, pôs o bebê Telêmaco no trajeto do arado de Ulisses. Não deu outra, Ulisses desviou e não atropelou o amado filho. Teria sido a primeira vez em que um perito, a mando do rei, desmascarava um simulador.
Ulisses ficou irado, não com o rei, nem consigo mesmo pela promessa feita, mas com Palamedes, o perito que o desmascarou. Anos depois, ao fim da guerra em que Ulisses brilhou com a ideia do cavalo e tal, e após ter passado 10 anos morando com a deusa Calipso, enquanto Penélope continha seus pretendentes tecendo de dia e desfiando de noite, Ulisses armou uma denúncia fajuta de traição que levou sua vítima, Palamedes, à morte por apedrejamento. Só depois se soube da farsa, mas o brilhante perito já havia sido eliminado. Ulisses e Penélope morreram de velhos na ilhota deles.