Artigo publicado no site da ABML em 09.11.2009 e referido em algumas sentenças (como o Agravo de Instrumento nº 0035090-64.2011.4.03.0000/SP).
Foi extraído da Conferencia
“A Perícia Médica Previdenciária para a Concessão de Benefícios por
Incapacidades” proferida pelo autor na ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 1ª
REGIÃO durante a I JORNADA DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO DA ESCOLA DE MAGISTRATURA
FEDERAL DA 1ª REGIÃO em Brasília, 2009.
A Perícia Médica Previdenciária para a Concessão de Benefícios por incapacidades
EDUARDO HENRIQUE RODRIGUES DE ALMEIDA1
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
Perícia Médica é uma expressão que remete a
dois entendimentos distintos e, frequentemente, confundidos. O primeiro se
refere à qualidade do médico, sua expertise em determinada área de atuação da
medicina; o segundo, ao documento médico-legal produzido pelo perito-médico. As
expertises são organizadas segundo
a lógica das especialidades médicas, enquanto a medicina legal classifica as
perícias segundo a lógica do Judiciário. Dessa forma, temos, de um lado, os
experts médicos especialistas em cardiologia, nefrologia, pediatria etc e, de
outro, os médicos peritos criminais, militares, trabalhistas, previdenciários
etc. Tal compreensão tem sido tema de debates atuais na comunidade médica e é
dominante entre os peritos e legistas, sendo a posição defendida pela
Associação Brasileira de Medicina Legal. Os laudos médico-periciais são peças
processuais, e seus autores precisam ser minimamente versados em direito processual
para atender às demandas de quem interessa o laudo: a autoridade que o solicita.
Não basta ser expert em determinada área para se constituir em um bom perito, aqui
no segundo sentido semântico da expressão. A propósito, escreveu o autor, Professor
Hélio Gomes1:
¨"Não basta um médico ser simplesmente um médico para que se julgue apto a realizar perícias, como não basta a um médico ser simplesmente médico para fazer intervenções cirúrgicas. São necessários estudos mais acurados, treino adequado, aquisição paulatina da técnica e da disciplina. Nenhum médico, embora eminente, está apto a ser perito pelo simples fato de ser médico. É-lhe indispensáve leducação médico-legal, conhecimento da legislação que rege a matéria, noção clara da maneira comodeverá responder aos quesitos, prática na redação dos laudos periciais. Sem esses conhecimentos puramente médico-legais, toda sua sabedoria será improfícua e perigosa."
Medicina
Legal é, pois, o momento em que o médico e o operador do direito conversam. A
linguagem escolhida é a do direito e a ferramenta de expressão do perito é o
laudo, cujo conteúdo é médico-legal. Em recente debate acontecido aqui mesmo,
em Belo Horizonte2, o Desembargador do TJMG Nepomuceno Silva asseverou que “o Perito
é o Juiz do Fato”, em alusão direta e clara ao papel decisivo que desempenha para
a Justiça. Entretanto, é notório que o Estado Brasileiro não tem dedicado a
atenção necessária à questão, negligenciando o fato de que perícias ruins levam
a decisões judiciais (e administrativas) ruins, como escrevi recentemente em
jornal mineiro3.
Sobre isso, ainda no mesmo evento, outro
jurista, o Professor Vinícius Mitre, questionou o desinteresse do Estado em
profissionalizar "uma atividade como esta, vital", e concluiu que "é temerário para a
justiça que não se faça concurso para peritos do Estado". O presidente da
OAB-MG, Dr. Raimundo Cândido Júnior, defendeu quadro próprio de peritos
oficiais, lembrando que a Constituição Federal prevê assistência jurídica
integral, inclusive os meios de prova. Mas não é apenas o Estado e o Judiciário
que estão “em falta” com a Perícia Médica: o Conselho Federal de Medicina e a Associação
Médica Brasileira também, como destacou o Conselheiro Corregedor do CRM-MG,
Prof. Cláudio de Souza, ao questionar o motivo pelo qual ainda não se tem todos
os peritos abrigados em uma especialidade4. Em verdade, essa especialidade já existe,
e é a mais antiga delas, a Medicina Legal, que, entretanto, permitiu que sua imagem
ficasse excessivamente ligada à perícia criminal e a autópsias, esquecendo de suas
outras diversas áreas de atuação.
Caminhamos para o entendimento de que perícia
define um ato médico específico e é ato médico-legal sempre, pois produz laudos
(não atestados) tendo como objetivo a verdade (não o paciente). Os médicos que
subsidiam as autoridades coletam
as provas e as registram em laudos periciais que são de natureza diversa dos
atestados emitidos nas atividades cotidianas dos demais médicos. Portanto,
perícia médica é uma atividade médica de busca da verdade e elaboração de
documentos precisos e fidedignos, que determinarão, direta ou indiretamente,
direitos ou sanções. Quer tenha inserção judicial ou administrativa, a perícia
médica é ferramenta da medicina legal. Acreditamos que os diversos tipos de
perícia devem ser entendidos como áreas de atuação da medicina legal,
especialidade mater à qual todas se vinculam. O legista é perito em perícias.
PERÍCIA MÉDICA PREVIDENCIÁRIA
A Perícia Médica Previdenciária tem como finalidade
subsidiar a autoridade administrative (INSS) acerca de características
constatáveis no requerente a benefícios assistenciais ou previdenciários
(comuns ou acidentários) que lhe permitam reconhecer ou não direito a benefícios
previstos em lei.
1-Evolução Histórica
Ao longo de décadas, a perícia médica
previdenciária foi exercida por médicos do antigo INSS que ingressaram em
1976-77 e em 1983-84, na sua maioria. Eram médicos sem nenhuma qualificação
específica, talhados peritos pela própria prática, virtualmente sem treinamento
promovido pela autarquia previdenciária. Concorriam com eles os chamados
“Credenciados”, médicos da iniciativa privada igualmente sem formação específica,
que atuavam em consultórios particulares, onde emitiam laudos para o INSS.
Em 2001, a Diretoria Colegiada do INSS decidiu
que esses profissionais assariam a
emitir laudos conclusivos, abolindo a necessidade de homologação por parte dos
peritos do quadro funcional.
A essa altura, havia cerca de 3.500 médicos
credenciados e cerca de 2.500 médicos
próprios. Seguiu-se explosivo aumento no número e custo dos auxílios-doença,
que passou de 2 bilhões de reais para 9 bilhões entre 2001 e 2004. Evoluiu para
11 bi em 2005, 15 bi em 2006 e 16 bi em 2008. Esse cenário de descontrole nos
primeiros 4 anos resultou da política de terceirização de perícias médicas e
provocou filas de até 180 dias (frequentemente 120 dias) entre marcação e
realização das perícias. A população, sobretudo desempregada, autônoma ou sob
risco de desemprego (como no setor bancário), acorreu ao INSS, onde era
periciada sem o devido critério nem responsabilidade com a res pública.
Segurados em condições de trabalho não conseguiam liberação para reassumir seus
empregos, um caos. Diferentemente dos médicos do INSS, os credenciados eram
mais susceptíveis a pressões, confundiam seu papel com o de assistentes dos
“pacientes” e não se sentiam representantes do Poder Público, razões que
determinaram explosão no número de benefícios concedidos, fato denunciado pelos
médicos do INSS e registrado por estudo do IPEA, amplamente divulgado na
imprensa. Em 2003, os médicos do INSS empreenderam movimento
nacional, sob minha liderança, apoiados pelo Conselho Federal de Medicina, pela
Associação Médica Brasileira, pela Federação Nacional dos Médicos, pelo
Ministério Público Federal e pela Frente Parlamentar da Saúde da Câmara Federal
(para citar apenas entidades nacionais), mesmo assim tendo que recorrer ao
instrumento constitucional da greve (que durou 89 dias), e conquistaram a Lei nº 10.876, de junho
de 2004, que criou a Carreira de Perito Médico Previdenciário. De lá para cá, a
carreira de Perito Médico Previdenciário não acompanhou a evolução das demais
carreiras de relevância social e econômica similares. A partir de fevereiro de
2004, com a edição da Lei nº 10.876, a perícia médica passou a vislumbrar um
horizonte de profissionalismo viabilizado a partir de três passos fundamentais:
o concurso de 2005, o concurso de 2006, ambos para 1.500 vagas, e o fim da
terceirização, em 19 de fevereiro de 2006. Desde 2005, foram admitidos 3.373 peritos
médicos, perfazendo 5.047 peritos ativos, segundo pesquisa realizada em 24.08.2009,
no site do RH. Em 2001, havia pouco mais de 2.000 médicos do quadro e 3.500
terceirizados que atuavam em consultórios privados. A demanda chegou a estar 73%
fora do INSS. As perícias iniciais, as mais importantes, chegaram a ser 53% realizadas
por terceirizados. O processo de transição de modelo foi traumático, segurados
habituados aos benefícios fáceis se revoltaram, sindicatos organizados que se beneficiavam
do descontrole protestaram e dois peritos foram assassinados em Minas Gerais,
Dra. Cristina Felipe da Silva, em Governador Valadares, e Dr. José Rodrigues, em
Patrocínio.
A Previdência investiu em tecnologia, implantou
o telefone 135 para agendamento e,
o mais importante, acabou com a necessidade de remarcação de perícias para
renovação dos auxílios-doença. Dessa forma, as filas da vergonha foram
finalmente superadas.
Uma simples análise das filas mostrara que 75%
dos que ali estavam já eram beneficiários de auxílio-doença, o que restringia o
acesso de novos requerentes a apenas 25% da capacidade de atendimento.
Portanto, desobrigar os beneficiários
de retornar periodicamente, garantindo canais para eventuais reconsiderações,
desafogou sensivelmente a fila de acesso, beneficiando a grande massa de
segurados, mas causando reação daqueles beneficiados pelo modelo anterior.
O movimento de profissionalização teve grande
repercussão, visto ser o órgão responsável pela maior demanda médico-pericial
do Brasil, que pode ser dimensionada
através dos fantásticos números de 2008, quando foram realizadas 9,2 milhões de
pericias médicas previdenciárias. A reforma foi paradigmática e encerrou a
sangria de uma terceirização incontrolável, substituindo-a por quadro próprio
de peritos concursados. O resultado foi impressionante e representou redução de
filas de 120 dias para 8 dias, além de estancar desperdícios de bilhões de
reais. Atualmente, podemos considerar que a fase de transição acabou e a
perícia médica enfrenta novos desafios que, pode-se dizer, são o ajuste fino,
porém necessário e urgente. Desde que medidas eleitoreiras não sejam tomadas
pelo INSS, não haverá mais necessidade de mutirões, os agendamentos permanecerão
em dia e será chegado o momento de ajustar a carreira à realidade da profissão
médica compatibilizada com o interesse público.
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande
do Sul já se manifestou contra o pagamento de produtividade aos médicos, a
sociedade questiona se há bonificação por negativa de benefícios e os peritos
questionam a legitimidade de vincular-lhes o salário ao tamanho da fila,
elemento que precede sua atuação e independe de sua governabilidade.
É hora de pôr fim à remuneração variável,
modelo que foi útil, mas está superado. É oportuno registrar que as perícias
previdenciárias, quando realizadas por credenciados em complementação às
perícias próprias do INSS, representavam expressivo empenho financeiro. Em 2004
o INSS gastou 86 milhões de reais com perícias terceirizadas. Em 2005, os 77
milhões orçados para o exercício acabaram em maio e, ao fim do ano, a conta
chegou a 110 milhões e reais.
2-Atribuições
Em qualquer sociedade moderna, a seguridade
social configura-se de importância fundamental e é considerada mesmo uma
conquista inalienável da civilização, tamanha a sua abrangência. No Brasil, a
seguridade social inclui a Previdência, a Assistência Social e a Assistência à
Saúde como seus três pilares, e a perícia médica previdenciária está
diretamente envolvida nos dois primeiros. Quase todos os benefícios pagos pela Previdência
Social brasileira são compensadores da incapacidade de gerar renda como consequência
de incapacidade de trabalho por idade, maternidade, reclusão, doença ou invalidez.
O desafio mais prevalente no cotidiano dos peritos médicos previdenciários consiste
em estabelecer ou não o direito a benefícios decorrentes de incapacidade para o
trabalho por doença ou invalidez, equivocadamente chamados de auxílios-doença.
Equivocadamente, porque o bem jurídico segurado
pela Previdência é a capacidade laboral, não a saúde.
Incapacidade, em qualquer sentido, constitui
julgamento, uma vez que não existe como conceito per si, mas sempre relacionado
a alguma habilidade, e cabe ao perito verificar se o conceito se aplica ao caso
concreto que analisa, ou seja, transcende o diagnóstico principal e leva em
conta outras comorbidades, aspectos sociais e crenças pessoais e ideológicas do
próprio perito médico. Com esse pressuposto, incapacidade é um julgamento de
valor, o que amplia a responsabilidade do perito médico previdenciário enormemente:
além de constatar a doença, precisa avaliar as repercussões laborais e gerais
desta para julgar se cabe o reconhecimento do direito ao benefício.
Não parece haver uma clara compreensão do que
seja perícia médica por parte dos usuários da Previdência, de grande parte dos
médicos assistentes e médicos do trabalho e, até, por parcela de médicos
peritos do INSS. Essa incompreensão poderia decorrer de diversas causas: as
sucessivas mudanças na estrutura do governo em relação à Assistência Médica e
Previdência Social públicas, a concepção hipocrática paternalista do exercício
da medicina e até da denominação legal do principal benefício por incapacidade
temporária: auxílio-doença. A demanda por benefícios temporários, como o
auxílio-doença, guarda proporção direta com o nível de atividade econômica, de forma
que patologias crônicas com as quais o segurado mostra-se capaz de conviver em épocas
de pleno emprego tornam-se alegação de incapacidade diante do desemprego.
Dessa constatação depreende-se que incapacidade
é um conceito relativo. Perícia médica não pode ser confundida com medicina
assistencial, as relações médicopericiado são muito diversas das relações médico-paciente.
Esta se fundamenta na confiança mútua, na empatia, na busca do diagnóstico, do
tratamento, do alívio. A relação médico-pericial fundamenta-se na desconfiança
mútua, no compromisso com a verdade, com o parecer justo. A diferença é tão
relevante que o Código de Ética Médica, Capítulo XI, é especificamente dedicado
às perícias, o que não faz para nenhuma outra área, exceto pesquisa em seres
humanos. Perícia é um ato médico legal sobre um indivíduo para uma autoridade,
no caso o INSS, através de seu presidente, que é quem assina as conclusões
favoráveis ou contrárias aos requerimentos. Caminha-se para o entendimento de
que perícia previdenciária, perícia judicial, perícia criminal e outras sejam áreas de atuação
especializadas da Medicina Legal. Se caracterizada dessa maneira, reduzir-se-á
muito a incompreensão pública do papel do perito médico previdenciário,
incompreensão esta que gera conflito e tensão. Outro aspecto relevante é que
nas demandas administrativas e judiciais o perito do INSS tem tido sua isenção questionada
em razão de seu vínculo empregatício com uma das partes em lide, questão ainda
ignorada no INSS. Aspecto conflituoso entre os agentes públicos que precisam apreciar
o direito a benefícios previdenciários é a questão Sigilo Médico. Sem Duvida, o
pilar mais valioso da medicina é o princípio da confidencialidade entre médico
e paciente e a classe médica é sempre muito pouco transigente nesse tema. Ainda
que o processo administrativo ou judicial seja iniciativa do requerente, a
exposição de sua vida íntima não deve jamais exceder o que se fizer
estritamente necessário pois, ao requerer um, não se está, necessariamente,
abrindo mão do outro. O tema é controverso, tendo em vista que não se trata de
uma relação médico-paciente convencional.
O autor Fraraccio5 em sua obra “Medicina
Forense Contemporânea” afirma: “Mucho se há escuchado debatir em los últimos
años sobre la obligatoriedade de los peritos de guardarsecreto profesional
sobre lo peritado.(...) En efecto, se hay acto médico totalmente desprovisto de
la obligatoriedade de guardar secreto profesional, es el peritaje médico-legal.
Esto debe ser así porque generalmente el paciente no solicita la actuación del
médico (no se establece uma relación contractual com el profesional) dado que
el peritaje es solicitado por la autoridad ”.
Fato é que o laudo médico pericial do INSS
guarda vinculação histórica com prontuários médicos e, como tais, têm sido
“protegidos”, talvez exageradamente.
3-Novo Modelo em Debate
Em 2000, Portugal elaborou um modelo
independente, autônomo, oficial e autossustentável de medicina legal, que
implantou com sucesso em 2001. Sobre ele falou-nos o Presidente do Instituto
Nacional de Medicina Legal de Portugal, Professor Duarte Nuno Vieira, durante o
I Fórum Brasileiro de Perícia Médica - Autonomia, Isenção e Qualidade -
realizado em Porto Alegre, nos dias 31/08 e 01/09. O modelo foi aprovado pela
comunidade européia para que todos seus estados membros o adotem, o que já
aconteceu com a Suécia. A Austrália, país de grandes dimensões territoriais, não
só o adotou como o aperfeiçoou. O Professor Duarte Nuno Vieira, que é ainda Presidente
da International Academy of Legal Medicine, expôs que o modelo consiste em
concentrar a gestão de todos os IML em um único órgão, o Instituto Nacional de Medicina
Legal (INML). O órgão é vinculado ao Ministério da Justiça português, que indica
seu presidente dentre os legistas que o integram. Compete ao órgão definir a política
nacional nas áreas de medicina legal e outras ciências forenses, prestar todo o
suporte técnico e laboratorial que se fizerem necessários aos tribunais, gerir
e controlar a qualidade dos serviços vinculados emitindo diretivas
técnico-científicas que promovam a harmonização, de metodologias, técnicas e
laudos periciais. Compete-lhe, ainda, cuidar da formação, qualificação e
avaliação dos recursos humanos afetos à área. Do ponto de vista organizacional,
o professor Nuno destacou a total autonomia técnica e administrativa, cabendo
exclusivamente ao órgão designar os profissionais para cada atividade e ao
Judiciário acatar o laudo final como inapelável, resguardado o direito de as
partes designarem médicos assistentes para acompanhar e, eventualmente, propor embargos.
O INML presta serviços não apenas ao
Judiciário, mas a qualquer entidade pública ou privada que requeira
conhecimentos médico-legais e de ciências forenses, recebendo a contrapartida
de remuneração tabelada e divulgada no Diário Oficial, organizada por procedimentos.
O preço básico de uma autópsia, por exemplo, é 500 Euros. São esses recursos
que mantêm a estrutura e pagam seu quadro funcional. No caso de perícias judiciais,
o INML apresenta a conta junto com o laudo, e a parte que perder a ação reembolsa.
Quando não há resultado conclusivo, o tribunal assume o custo. A experiência
indica que 60% dos custos são reavidos. A total autonomia, inclusive financeira,
assegura a isenção indispensável a procedimentos dessa natureza, visto que as
perícias terminam por ser o principal elemento em que se baseiam os magistrados,
em muitos casos, para seus julgamentos.
Como elemento estratégico tanto no Judiciário
quanto na administração, por exemplo, previdenciária, as perícias técnicas,
independentes e de qualidade, são indiscutível ganho da sociedade republicana e
democrática moderna. Encontramos similaridades na lógica do modelo europeu com
o modelo adotado no Brasil em relação aos Procuradores Autárquicos do INSS, que
deixaram de existir como tais e passaram a integrar o quadro da Advocacia-Geral
da União (com remuneração através de subsídios), e foi bem sucedido.
Propõe-se debater a vinculação dos Peritos
Médicos federais ao Ministério da Justiça e os estaduais às secretarias de
estado correspondentes. Dessa maneira fortalece-se, também, a independência e a
autonomia técnica dos peritos. É necessário que também o Brasil reflita sobre a
necessidade de uma medicina legal, aí incluída a previdenciária, mais racional,
técnica e isenta.
4-Conclusão
Perícia médica em geral e perícia médica
previdenciária em particular são pouco estudadas no Brasil. Há autores que
estudaram, no campo da sociologia médica, o poder inerente à profissão e a
assimetria maior ou menor da relação médico-paciente, mas não há trabalhos
voltados especificamente para perícia médica previdenciária como uma relação
médico-paciente eminentemente assimétrica, nem para a compreensão de como os
médicos peritos pautam seus pareceres do ponto de vista bioético. Não há
diretrizes cientificamente validadas para orientar peritos em seus julgamentos
e o INSS tem procurado produzi-las, tendo concluído e posto em prática os
referentes a doenças psiquiátricas e a doenças ósteo-musculares, as mais
freqüentes e complexas do ponto de vista securitário. A dificuldade é
internacional, e recente estudo belga6 demonstra que:
"embora a maioria dos médicos sejam receptivos à medicina baseada em evidências (MBE) e guidelines, seu uso na medicina securitária é baixo atualmente. É importante superar a inércia que limita o uso de MBE e pesquisar mais em MBE em medicina securitária. Fontes disponíveis de MBE de qualidade, atualmente originárias de outros campos da medicina, devem ser estruturadas para medicina securitária[...] conclui o artigo. Outro trabalho, agora holandês7, já destacava: "Medicina baseada em evidências, um método detalhado de suporte às decisões clínicas usando evidências, tem sido ferramenta das especialidades clínicas, mas ainda não na medicina securitária.”
Para finalizar, alguns números
que demonstram a magnitude da perícia médica e da Previdência Social: 65% dos trabalhadores brasileiros, formais e
informais, são socialmente protegidos pela Previdência, entretanto 35%
correspondem a número muito alto de desamparados: 28.650.727 pessoas (dados de
2007). Os contribuintes do Regime Geral de Previdência Social, potenciais
clientes da perícia médica, somam 38.899.730 pessoas. Em 2008, foram realizadas
9.217.069 perícias (15% acima do previsto), número que equivaleria a se ter
examinado quase 20% dos segurados (RGPS + Rurais = 46.681.275 pessoas). Em 2008,
foram pagos 16 bilhões de reais em auxílios-doença, valor estratosférico em relação
ao ano de 2001, em que se pagou 2 bilhões, mas inferior em 250 milhões de reais
ao orçamento para o ano. Os auxílios-doença, entretanto, estão longe de ser a maior
despesa do INSS, tendo cabido às aposentadorias 123 bilhões de reais e às pensões,
48 bilhões.
REFERENCIAS
1 Gomes H, Medicina Legal, Editora Freitas
Barros, 2003, 33a Edição, Rio de Janeiro.
2 I Jornada Mineira de Perícias Médicas, de 24
a 26.09.2009, na Associação Médica de Minas Gerais.
3 Jornal O Estado de Minas de 23.09.2009, p. 5.
4 I Jornada Mineira de Perícias Médicas, de 24
a 26.09.2009, na Associação Médica de Minas Gerais.
5 Fraraccio JA, Medicina Forense Contemporânea,
Dosyuna Ediciones Argentinas, 2005,
Buenos Aires.
6 Heselmans et al, The attitude of Belgian
social insurance physicians towards evidence-based practice and clinical
practice guidelines. BMC Family Practice [BMC Fam Pract] 2009; Vol. 10, pp. 64.
7 Kok, R. et Al, Evaluation of a workshop on
evidence-based medicine for social insurance physicians Occupational Medicine (Oxford,
England) [Occup Med (Lond)] 2008 Mar; Vol. 58 (2), pp. 83-7.
O presente artigo foi extraído da
Conferencia “A Perícia Médica Previdenciária para a Concessão de Benefícios por
Incapacidades” proferida pelo autor Na ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 1ª
REGIÃO durante a I JORNADA DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO DA ESCOLA DE MAGISTRATURA
FEDERAL DA 1ª REGIÃO.
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