terça-feira, 2 de novembro de 2010

Questões de Princípios

A autonomia médica é inegociável, mas para que dizer isso? Se algo não pode ser objeto de barganhas deveria ficar fora das dicussões, não é mesmo? Lendo Ronald Dworkin, Uma questão de princípio, Martins Fontes, São Paulo 2001, em que o filósofo do direito aborda  a inter-relação entre dois níveis de nossa consciência política: os problemas práticos e a teoria filosófica, questões de urgência e questões de princípio, vejo o quão equivocada foi a última batalha empreendida pelo filisteu* em nome de uma categoria profissional.
Autonomia médica é um princípio e foi evocado em tentativa de aglutinar apoios, já que nenhum médico seria contra um dos axiomas mais fundamentais da profissão. Para ser "original" trocou a palavra "autonomia" pela palavra "excelência", mero jeu de mots. Não se põe um princípio em barganhas!
Ao mesmo tempo em que é um princípio axiomático compreendido e defendido pela população, quando se serve dos médicos e da medicina, é uma ameaça quando se deixa o terreno da medicina assistencial e se adentra o terreno médico-pericial. Reafirmar autonomia neste contexto foi imprudente, para não dizer coisa pior.
Afirmar o caráter pericial já fez com que o governo trocasse a denominação "perito médico" para "médico perito". O filisteu não soube ficar calado! Por um golpe de sorte o termo original , de fundamental importância simbólica, voltou, uma vez que o veto era impossível (estava no caput; não em parágrafos de um artigo importante). Afirmar a autonomia dando-lhe conotação de uma cruzada medieval trouxe a terceirização de volta e a perícia multi-profissional como cenário no horizonte. Êta bocão! Não é assim que se lida com governos, está claro.
O que se precisava reafirmar não foi feito: o caráter judicante da carreira, a necessidade de isenção e insuspeita defesa dos interesses dos cidadãos perante o estado. O perito do lado do povo e não com autonomia para julgar seus direitos, pondo-se acima deles, se não contra eles. São diferenças sutis que escapam ao filisteu, apenas arguto para se defender no poder. A remuneração por subsídios significaria a maior conquista do reconhecimento da perícia médica previdenciária como carreira de estado. Não foi sequer tentada. A autonomia, ou a excelência, estaria lá, como princípio intocado e sequer mencionado, não precisaria.
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*Filisteu está bem explicado em Arthur Schopenhauer, A sabedoria da vida, Golden Books, SP, 2007 pg 59-61.

2 comentários:

  1. "Haja filisteu!!!!". Abraço
    Celso Scaravelli

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  2. Também me questiono silenciosamente o que é autonomia pericial, se no dia que estiver exausta e com dificuldades para realizar uma boa perícia, pegar a minha bolsa e for embora da APS, ou deixar de atender toda a minha agenda, pois tenho autonomia pericial, estarei aqui no interior do Pará cavando a minha própria cova, com certeza serei vítima de um ato de violência...O correto seria defendermos nossos direitos e cobramos o respeito à classe e a valorização real do nosso trabalho para Sociedade, para os cofres públicos e para nossa segurança!

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