sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Evolução da atividade médico legal no Brasil: em busca do novo paradigma

Luís Fernando Dutra Diniz
Perito Médico Previdenciário

Paradigma (do grego parádeigma) literalmente significa modelo, sendo a representação de um padrão a ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas.


Em seu livro a “Estrutura das Revoluções Científicas”, Thomas Kuhn, apresenta a concepção de que “um paradigma, é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma”.

Em outubro de 2009, ouvi de um Desembargador da Justiça do Trabalho em Minas Gerais que a principal queixa de Juízes recém empossados na Justiça do Trabalho era a dificuldade em se encontrar bons peritos judiciais. Peritos que agissem de forma realmente profissional, que produzissem bons laudos periciais e estes laudos servissem de embasamento técnico seguro para o Magistrado sentenciar. Provavelmente, esta queixa poderá ser estendida a vários Juízes de outros ramos do Judiciário.

Mas afinal, o que vem a ser a medicina legal? Para os leigos talvez apenas o exame cadavérico praticado pelo médico legista... Mas isto é muito pouco para universo tão abrangente de conhecimentos, pois trata-se de atividade complexa, difícil de ser sintetizada em um conceito, senão para fins didáticos:

A medicina legal inclui um vasto leque de serviços localizados na interface entre a prática científica e o direito, situando-se, atualmente, no âmbito da medicina social” (Teresa Magalhães)

Arte de por os conceitos médicos a serviço da administração e da Justiça”. (Lacassagne)

A aplicação dos conhecimentos médico-biológicos na elaboração e execução das leis que deles carecem” (Flamínio Fávero)

O que está cristalino nestes exemplos conceituais são os diversos segmentos da atividade médico legal, ou seja, o ato médico legal é, em essência, uma perícia médica que objetiva avaliar, esclarecer ou dimensionar determinado fato, situação ou condição a ser “traduzida” para a linguagem do legislador, visando atender demandas e questionamentos administrativos e/ou judiciais. Configura-se como atividade de fundamental importância enquanto auxiliar técnica da Justiça, capaz de garantir sustentação técnica para que o Magistrado possa proferir sentenças que produzam a lídima Justiça.

Com a evolução significativa, no século XX, da ciência jurídica e da ciência médica, a interface médico-legal passou a demandar um novo modelo de assistência técnica na produção da prova pericial. Pressão de movimentos sociais e sindicatos, como na França (1990), passaram a exigir profissionalismo dos peritos oficiais, principalmente, no que tange às matérias médicas. Em vários países (Itália, França, Espanha, Portugal, Colômbia, etc) foi implementado o modelo de perícia médico legal institucionalizada e profissionalizada, na figura dos “Institutos Nacionais de Medicina Legal” ou, apenas por questão semântica, os Institutos Nacionais de Medicina Forense. Vários desses Institutos são acessíveis pela Internet, como o português, o espanhol, o francês, dentre outros, com páginas bem estruturadas que permitem acesso específicos a conteúdos jurídicos, médicos e leigos. São instituições altamente capacitadas e respeitadas como centros geradores de conhecimento científico e de precioso auxílio técnico à Justiça e à administração pública. 

A descrição das vantagens advindas de uma instituição pública nacional que englobe os segmentos da perícia médico legal (administrativa, judicial, securitária, previdenciária e criminal) preenche, com a necessária proficiência técnica, lacunas de demandas sociais, judiciais e administrativas.

O resultado eficaz da perícia médico legal está vinculado à exploração do campo de vasto conhecimento aberto pela Medicina Legal, onde estão presentes relacionamentos obrigatórios com a Clínica, a Psiquiatria, a Ortopedia-Traumatologia, a Ginecologia-Obstetrícia, a Neurologia, a Anátomo-Patologia, com o Direito Penal, o Direito Civil, o Direito Trabalhista, o Direito Previdenciário, o Direito Administrativo, etc.
A propósito do decálogo ético do perito em geral, proposto pelo eminente professor Genival Veloso, citamos três das suas assertivas que justificam o modelo dos Institutos Nacionais de perícia médico legal: “Ser competente para ser respeitado, ter autoridade para ser acreditado e ser livre para agir com isenção”. É mister que o perito seja insuspeito e imparcial. Não pode e não deve estar vinculado de qualquer forma à parte(s) interessada(s) na lide.

Porém, infelizmente, a realidade brasileira ainda está muito aquém do modelo institucional dos centros nacionais de perícia médico legal. A desenvoltura e a eficiência para se produzir laudos técnicos periciais de alta qualidade, nestes institutos, tornariam a Justiça mais eficiente e a administração mais célere. Se por um lado, a garantia da postura isenta e profissional de um perito oficial de carreira vem ao encontro dos anseios não apenas do Judiciário, mas, principalmente, da sociedade brasileira que tem a expectativa do correto julgamento dos seus pleitos, de outro lado, ainda trabalhamos com uma atividade pericial fragmentada, isolada em nichos institucionais, sem qualquer integração de dados, praticamente sem produção científica e com “peritos oficiais ad hoc”, conforme os Código de Processo Civil (art. 145 a 147 – do perito – art. 420 a 439 – da prova pericial) e Código de Processo Penal (art. 158 a 184 - Capítulo II - Do Exame do Corpo de Delito e das Perícias em Geral).

Se objetivamos evoluir para a condição de nação desenvolvida, em aspectos políticos, econômicos e sociais, a Justiça Brasileira não pode se privar do instrumental moderno e eficiente de um Instituto Nacional de Medicina Forense ou Médico Legal. É hora de estabelecermos canais de discussão com a sociedade e os poderes públicos constituídos sobre esta perspectiva de aprimoramento do serviço estatal. Precisamos estar alinhados com a excelência mundial, pois a “justiça” mais cara é a que deixou de ser feita pela deficiência do estado em fornecer elementos probantes.

Luís Fernando Dutra Diniz
Perito Médico Previdenciário
luisfernandodd@yahoo.com.br

4 comentários:

  1. Excelente análise! Que os colegas que a lerem divulguem em suas redes pessoais.

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  2. Texto caro, elucidativo e, o mais importante, apontando O FUTURO.

    Análise perfunctória sobre a História, as tendências atuais e o que se deve buscar para que o Brasil se aproxime dos países desenvolvidos.

    Parabéns, Luciana Coiro

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  3. Gostaria primeiramente de elogiar o colega pelo texto harmonioso em estrutura e conteúdo. Acrescento que a quebra de paradigmas é normalmente traumática com descrédito e isolamento do agente ativo da mudança de corrente. É com muita satisfação que vejo esta ideía fortalecida. Ainda lembro-me quando há 3 anos atrás um meia dúzia de pessoas (entre elas eu) defendia a saída do INSS dos peritos exatamente porque a perícia não poderia, de fato, ser ou mesmo parecer ser parcial. Na ocasião a idéia foi desacreditada e ridicularizada. Sequer sabíamos da existencia de outros modelos internacionais. Hoje fico feliz em ver um novo modelo administrativo com apoio de autoridades da área como o Eduardo e outros trabalhando e expondo sobre contundentemente sobre o tema também pelo recém interesse pelo próprio Valdir Simão em debater e discutir a idéia. Pena que a ANMP ao invés de investir no assunto com proposição de fóruns óu audiências públicas envolvendo autoridades dos tres poderes e científicas fica sem foco correndo de um lado para o outro. Creio que podemos mudar nosso destino com boas propostas e ganhando credibilidade. "Não se pode mudar o vento, mas podemos mudar as direção das velas".

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  4. Parabéns pelo artigo. Tenho acompanhado o blog e gostaria de dizer que sou perito medico legista concursado pelo RS e estudante de Direito. Fui perito medico do INSS por um mes em 2005 e tive que optar por um dos concursos que fui aprovado.
    Tenho estudado alguns outros assuntos sobre nosssas atividades e gostaria de provocar vum debate com interessados sobre a questao dos impedimentos da advocacia para peritos medicos-legistas pelo CF OAB argumentando que se trata de atividade policial. Temos que caracterizar a pericia como atividade jurididca e nao policial como consta no estatuto da OAB, inclusive nos possilitando prestar concursos na magistratura e ministerio publico.Coloco-me à disposição para discussoes e debates sobre este tema que acredito ser pertinente no nosso meio de peritos medicos Att Eduardo Gröhs email: ebgrohs@hotmail.com

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