Um dos elementos probatórios de maior relevâncía tem sido negligenciado pelo poder público: a prova pericial médica. O presidente Lula sancionou a Lei 12.030, de 17/9/2009, fortalecendo as perícias oficiais de natureza criminal (sem, entretanto, indicar de que forma), mas nada foi feito em relação às demais perícias, particularmente as perícias médicas que podem ser previdenciárias, cíveis, trabalhistas, securítárias, militares etc.
Há modelos bem-sucedidos, como o implantado em Portugal, a partir de 2001, e que se tomou diretiva da comunidade européia. Já foi implantado na Suécia e fora da Europa, na Austrália. O Brasil precisa tomar conhecimento dessa iniciativa que centraliza as perícias em um único órgão, independente, autônomo, concebido especificamente para isso, resultando em grande economia e eficácia.
Começam a pulular por aí cursos de pós-graduação em perícias, sociedades de perícias e iniciativas desse jaez, desarticuladas de qualquer política pública que simplesmente não existe. Pode não ser edificante que iniciativas, mesmo bem intencionadas, sejam levadas adiante ao sabor das necessidades mercadológícas. Há quem palpite que precisa haver peritos em cada especialidade médica, esquecendo-se de que as perícias têm por finalidade o direito e, segundo suas especificidades (do direito), devem ser estruturadas. Pareceres especializados de outros médicos podem ser necessários, mas as perícias são matéria de especialistas em atuar na interface da medicina com o direito, ou seja, na medicina legal.
Há situações em que o senso comum assimilou bem o que venha a ser um médico especializado em medicina legal, ou forense: ninguém questiona um médico legista, que é o especialista em medicina legal criminal, abrir crânios em suas necropsias sem ser neuro-cirurgião; mas em perícias médíco-legais administrativas, cíveis e previdenciárias a contestação é muito frequente porque aqui a desvinculação da medicina assistencial não ocorreu.
Imagine-se um cidadão com quatro, cinco doenças diferentes, de quantas “perícias” precisaria? Em qual delas o juiz se apoiaria em caso de divergências entre peritos oficiais que ele mesmo nomeou? Poderia o perito, agente público, estar vinculado a um órgão como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que é parte nas lides judiciais? O mundo caminha em outra direcão: estrutura e autonomia, inclusive orçamentaria e financeira, para centros oficiais de medicina legal aptos a realizar todos os tipos de perícia para qualquer demandante, público ou privado.
Vivemos uma torre de Babel, uma verdadeira grilagem territorial em um latifúndio que o Estado abandonou. Algumas notícias recentes demonstram as consequências da ausência de uma política pública em matéria médico-pericial:
O papel do juiz é aplicar o direito aos fatos. O que vemos agora é juizes verificando os fatos e juízes aplicando o direito sem verificação dos fatos, duas situações opostas.
Em evento realizado em Belo Horizonte em setembro do ano passado, o desembargador Nepomuceno Silva exaltou o papel do perito, dizendo que “o perito é o juiz do fato”. Ao perito caberia o papel de verificar o fato e produzir a prova, mas a nossa sociedade resolveu que não deve fortalecer esse tipo de atividade. Então fica uma lacuna que força o Judiciário a ocupá-la. Agora, talvez tenhamos que dizer: “O juiz é o perito de fato”.
Por lei, o Auxílío-doença previdenciário só pode ser pago após avaliação pericial por perito médico previdenciário (Leis 8.213 e 10.876). Por ineficiência do INSS, os requerentes que não conseguem ser periciados em prazo hábil para garantir a continuidade de seus afastamentos obtiveram do Judiciário o direito de continuar recebendo a prestação previdenciária sem comprovar que estão doentes e temporariamente incapazes, ou seja, contra o texto da lei.
No âmbito da Justiça Federal, juízes como Ivanir Ireno Júnior, presidente da Ajufemg, têm manifestado a preocupação dos magistrados com o orçamento que custeia as perícias, sempre insuficiente e requerendo suplementações que dependem de projetos de lei, com as incertezas insuperáveis de datas e valores.
Perícia previdênciária hipotrofiada; perícia judicial terceirizada, cara e ineficiente, quando não inexistente (tipicamente no interior dos estados), esse é o quadro nacional que a sociedade demora a enfrentar. Os prejuízos social e econômico são imensos; a sobrecarga e retrabalho do Judiciário por ineficiência do Executivo e sua própria são alarmantes. Precisamos de peritos em número suficiente, qualificados, isentos de pressões dos periciados, de empresas, de sindicatos ou de qualquer interesse que não busque a equidade e Justiça. Esse profissional só existirá se o governo decidir assim.
por: Jornal Estado de Minas.
Há modelos bem-sucedidos, como o implantado em Portugal, a partir de 2001, e que se tomou diretiva da comunidade européia. Já foi implantado na Suécia e fora da Europa, na Austrália. O Brasil precisa tomar conhecimento dessa iniciativa que centraliza as perícias em um único órgão, independente, autônomo, concebido especificamente para isso, resultando em grande economia e eficácia.
Começam a pulular por aí cursos de pós-graduação em perícias, sociedades de perícias e iniciativas desse jaez, desarticuladas de qualquer política pública que simplesmente não existe. Pode não ser edificante que iniciativas, mesmo bem intencionadas, sejam levadas adiante ao sabor das necessidades mercadológícas. Há quem palpite que precisa haver peritos em cada especialidade médica, esquecendo-se de que as perícias têm por finalidade o direito e, segundo suas especificidades (do direito), devem ser estruturadas. Pareceres especializados de outros médicos podem ser necessários, mas as perícias são matéria de especialistas em atuar na interface da medicina com o direito, ou seja, na medicina legal.
Há situações em que o senso comum assimilou bem o que venha a ser um médico especializado em medicina legal, ou forense: ninguém questiona um médico legista, que é o especialista em medicina legal criminal, abrir crânios em suas necropsias sem ser neuro-cirurgião; mas em perícias médíco-legais administrativas, cíveis e previdenciárias a contestação é muito frequente porque aqui a desvinculação da medicina assistencial não ocorreu.
Imagine-se um cidadão com quatro, cinco doenças diferentes, de quantas “perícias” precisaria? Em qual delas o juiz se apoiaria em caso de divergências entre peritos oficiais que ele mesmo nomeou? Poderia o perito, agente público, estar vinculado a um órgão como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que é parte nas lides judiciais? O mundo caminha em outra direcão: estrutura e autonomia, inclusive orçamentaria e financeira, para centros oficiais de medicina legal aptos a realizar todos os tipos de perícia para qualquer demandante, público ou privado.
Vivemos uma torre de Babel, uma verdadeira grilagem territorial em um latifúndio que o Estado abandonou. Algumas notícias recentes demonstram as consequências da ausência de uma política pública em matéria médico-pericial:
Fato 1: Juízes do Rio Grande do Norte começam a ir a campo verificar os fatos. “Na sala de audiência há casos em que o instrumento probatório é muito pouco, por isso a necessidade da inspeção”, destacou o Juiz Marco Bruno Miranda Clementíno, titular da 3a Vara.
Fato 2: Decisão de abrangência nacional da 14a Vara Federal da Bahia estabelece que um benefício que requer perícia seja pago sem a necessidade do laudo pericial.
O papel do juiz é aplicar o direito aos fatos. O que vemos agora é juizes verificando os fatos e juízes aplicando o direito sem verificação dos fatos, duas situações opostas.
Em evento realizado em Belo Horizonte em setembro do ano passado, o desembargador Nepomuceno Silva exaltou o papel do perito, dizendo que “o perito é o juiz do fato”. Ao perito caberia o papel de verificar o fato e produzir a prova, mas a nossa sociedade resolveu que não deve fortalecer esse tipo de atividade. Então fica uma lacuna que força o Judiciário a ocupá-la. Agora, talvez tenhamos que dizer: “O juiz é o perito de fato”.
Por lei, o Auxílío-doença previdenciário só pode ser pago após avaliação pericial por perito médico previdenciário (Leis 8.213 e 10.876). Por ineficiência do INSS, os requerentes que não conseguem ser periciados em prazo hábil para garantir a continuidade de seus afastamentos obtiveram do Judiciário o direito de continuar recebendo a prestação previdenciária sem comprovar que estão doentes e temporariamente incapazes, ou seja, contra o texto da lei.
No âmbito da Justiça Federal, juízes como Ivanir Ireno Júnior, presidente da Ajufemg, têm manifestado a preocupação dos magistrados com o orçamento que custeia as perícias, sempre insuficiente e requerendo suplementações que dependem de projetos de lei, com as incertezas insuperáveis de datas e valores.
Perícia previdênciária hipotrofiada; perícia judicial terceirizada, cara e ineficiente, quando não inexistente (tipicamente no interior dos estados), esse é o quadro nacional que a sociedade demora a enfrentar. Os prejuízos social e econômico são imensos; a sobrecarga e retrabalho do Judiciário por ineficiência do Executivo e sua própria são alarmantes. Precisamos de peritos em número suficiente, qualificados, isentos de pressões dos periciados, de empresas, de sindicatos ou de qualquer interesse que não busque a equidade e Justiça. Esse profissional só existirá se o governo decidir assim.
por: Jornal Estado de Minas.
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