segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"Alta Programada" e a defesa da maioria


Um dos temas sobre os quais os meritíssimos juízes federais perguntaram no recente evento da Escola da Magistratura em Belo Horizonte foi a polêmica "alta programada".

Desde agosto de 2006, quando foi posta em prática a sistemática de cessação automática do benefício ao fim do período medicamente previsto, muito questionamento tem sido feito e, ao que eu saiba, sendo sustentado juridicamente pelo INSS nas instâncias superiores.

A orientação normativa levou em conta que:
(1) As filas aguardando por perícia chegavam a 180 dias, sendo frequente ultrapassarem 120 dias e 70% dos segurados aguardavam por perícia de acompanhamento de sua evolução, ou seja, o modelo estava dificultando o acesso daqueles que buscavam o INSS para avaliações iniciais;
(2) Perícia médica não demanda observação da evolução e tratamento, atribuição própria da medicina assistencial (SUS, privada ou suplementar);
(3) Segurados em condições de retorno ao trabalho não podiam fazê-lo em razão de ainda não terem sido autorizados pela perícia;
(4) É prática corrente da medicina atestar incapacidade com fixação de data posterior para sua cessação, como acontece diariamente nos consultórios em que o médico, diante de uma gripe ou diarréia aguda fornece atestado licenciando o seu cliente por 3 ou 4 dias sem necessidade de reexaminá-lo ao fim do prazo;
(5) A medicina dispõe de conhecimentos suficientes para que o médico, com boa margem de segurança, preveja o tempo a ser demandado pela recuperação. O próprio SUS tem tabelas de dias de internação para as diversas doenças;
(6) Garante-se ao segurado que, fugindo à expectativa natural (não tenha sua situação clínica resolvida no prazo previsto), direito e meios de informar ao INSS em prazo hábil para que, diante de nova perícia, justifique-se a dilatação do prazo de afastamento por incapacidade.

A nova proposta baixou a fila para menos de 14 dias, assegurou acesso dos trabalhadores que demandavam uma primeira perícia, não dispunham de advogados nem sindicatos fortes e combateu, secundariamente, a desvirtuação do auxílio-doença em auxílio-desemprego, em subterfúgio para esquiva dos reais problemas trabalhistas via refúgio na embaixada do INSS ou em bolsa complementar de renda. O Auxílio-doença é um benefício temporário e como tal precisava voltar a ser compreendido pelos peritos, segurados e demais atores sociais. Sua cessação deve decorrer ou da estabilização do quadro ou da recuperação da função, não sendo lícito prorrogá-lo sob outros pretextos e não eram raros auxílios-doença prorrogados por até 10 anos!

A estabilização, com ou sem sequela funcional, significa que o quadro não terá mais evolução para melhora ou piora diante das possibilidades terapêuticas disponíveis. Cabe ao perito, nesta circunstância, avaliar se a melhor decisão para o caso concreto é a aposentadoria por invalidez ou cessação do benefício para retorno ao trabalho (Art 78, Dec 3.048/99). É impositivo decidir-se por uma das duas alternativas. Quando se decidir pela segunda, é preciso avaliar se há como conceder o auxílio-acidente (outro benefício, este indenizatório). Fique claro que a cessação de um Auxílio-acidente vincula-se à recuperação, ainda que parcial, da capacidade laboral e não da recuperação da capacidade e funcionalidade anteriores (restitutio ad integrum).

O que se espera é que as prorrogações de prazo sejam exceção. Se não o forem, significam má avaliação inicial ou incompetência do perito (considerando suas circunstâncias, como diria Ortega Y Gasset) em sustentar a decisão correta diante de pressões sociais. Infelizmente ainda existe a má-prática do benefício de acomodação, que é a prorrogação até a data da perícia que se realiza após cessado o benefício. Não encontra amparo técnico, portanto se constitui em um daqueles jeitinhos a que o perito é compelido por receio ou pressão. Quando a recuperação depender de cirurgia à qual o segurado não se submete por impossibilidade prática (SUS) ou recusa, o perito não pode cessar o benefício, como prevê a legislação (Art.77, Dec 3.048/99), mesmo porque permanece a incapacidade que deu causa ao afastamento.

Para prever a data de cessação da incapacidade o perito se vale, não de jogo de búzios, mas de diretrizes que estão sendo elaboradas no INSS/MPS, que já as aplica em psiquiatria, ortopedia e, como divulgado neste blog dia 24 de outubro, em clínica médica. São parâmetros construídos com base na experiência e no consenso, validados pela sociedade através de consulta pública, entretanto não são sustentados por medicina baseada em evidências, como também já comentei neste blog dia 21 de setembro.

A 15ª reunião do Grupo de Trabalho do Ministério Público Federal sobre Previdência e Assistência Social, realizada por Videoconferência em 05.10.2009, firmou o entendimento de "impedir a cessação do pagamento sem que tenha o segurado sido submetido a nova perícia, nos casos em que requerida a prorrogação do auxílio-doença". A meu ver, a proposição do GT é ilegal ao pretender manter um pagamento de benefício sem a indispensável sustentação em uma deliberação médico-pericial.

Do ponto de vista utilitarista, a medida de pré-estabelecer a data de cessação da incapacidade, resguardado o direito de evoluir diferente da previsão médica, foi uma medida de grande importância social que beneficiou, sobretudo, a imensa maioria silenciosa.

Amanhã escreverei sobre Data de Início da incapacidade.

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